27 de ago. de 2009

Um talento

N entrou no vagão do metrô e olhou em volta. Não havia lugar para sentar, então recostou-se perto da porta do lado oposto e segurou a barra prateada e gelada com força. Estava distraída, ouvindo música enquanto folheava uma revista, quando flagrou-se com o olhar fixo nas folhas que uma moça concentrada preenchia com rabiscos ágeis. Com a caneta BIC em sua mão esquerda, ela acrescentava mais traços à obra que, aos poucos, se transformava em um homem perfeito, dono de cabelos esvoaçantes e vestido com um paletó. Na estação seguinte, a moça guardou as folhas em uma pasta, levantou do banco e deixou o vagão.

N ficou mais um tempo apenas segurando a revista que folheava, enquanto olhava para o nada com o pensamento ainda habitado pelo retrato daquele homem. No entanto, a imagem desenhada pela moça não foi o que realmente a deixou assim, tão pensativa. E sim, o talento. Aquela demonstração, rápida e evidente, de uma habilidade tão clara despertou dúvidas na mente insegura de N.

Será que ela também tinha um talento? Será que poderia continuar perseguindo seus sonhos sem correr o risco de chegar no fim e descobrir que, na verdade, não é tão boa quanto deveria ser?

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